segunda-feira, dezembro 4

quem não tem sonex isola com pena de ganso ou minha história de natal

sábado agora, a caminho do almoço no barranco, enxerguei uma figura que não via há anos: o bernardinho (o nome real foi trocado por razões cristalinas). ele, o mito, a personagem principal da minha história de natal favorita.

foi em 1999. eu tinha acabado de me mudar pro lugar mais legal onde já morei - aquela casinha-com-cara-de-garopaba, sobre a qual já falei aqui, erguida na rua mais zen do ipanema, sem saída pra avenida guaíba, detalhe que me mantinha saudavelmente distante da crowd que inferniza o bairro da zona sul nos finais de semana.

pois bem, aquele ano tinha sido bem agitado: passamos a régua no bilbao; eu tomei coragem pra abandonar o conforto da casa da mamãe; levei um tempo produzindo teatro e terminei caindo com as quatro patinhas dentro da radioativa, lugar onde sempre quis trabalhar, pela companhia diária de amigos queridos e pela produção de áudio, minha baita paixão profissional.

por tudo o que acontecera, então, decidi que aquele seria o primeiro natal que passaria na minha própria casa, sem maiores compromissos familiares. a caca, que morava comigo na época, ia esperar o papai noel com a turma dela, no interior, e eu testaria minhas aptidões à beira do fogão com o tradicional cardápio natalino do clã aragón: peruzão assado, creme de milho, banana à milanesa e salada de repolho, presunto e passas.

chamei cobaias, claro. pra ceia viriam o picles e a irmã dele, a carla. pra beberrança pós-meia-noite, uma tropa de dementes que freqüentava o finadinho bilbao. gente profi na arte de se divertir, alucinar e embriagar. entre eles, o nosso bernardinho, sujeito muito bacana e beeem baixinho, que andava se enroscando eventualmente com a mais porra-louca das amigas do boteco - cuja boca grande nos revelara, desde o início do affair, as dimensões muy modestas dos, digamos, apetrechos reprodutivos do pobre.

com a comilança aprovada e a digestão feita, iniciamos a etapa etílica da festa. e que bebedeira! farrancho fortíssimo, a noite de natal rendeu até o céu clarear completamente. na hora de ir embora, o bernardinho, já trôpego, mas lúcido o suficiente pra sentir que não dava pra dirigir de volta pra casa, pergunta se ele e a ficante poderiam dormir por ali mesmo. claro que sim!, respondo eu, já sobraçando colchão, lençóis e travesseiros pra jogar no meio da sala preles.

sem qualquer sono, vou pra minha cama e fico fritando, reloadeando os momentos mais insanos da noite. é quando o óbvio dá as caras e começo a ouvir aqueles arrulhos típicos das maratonas de alcova. aiaiai, uiuiui, rerere, ohohoh... aiaiai, uiuiui, rerere, ohohoh! aiaiai, uiuiui, rerere, ohohoh!!! buenas, pra não morrer de sede em frente ao mar - mas, fundamentalmente, pra não constranger os pombinhos com as minhas risadas - meto a cabeça debaixo do travesseiro e tento dormir.

impossível. a curiosidade, o álcool e todas substâncias hiperbolicamente ingeridas durante a noite mantêm meus olhos feito patacões e meus ouvidos atentos a tudo. e vá aiaiai, uiuiui, rerere, ohohoh... aiaiai, uiuiui, rerere, ohohoh! aiaiai, uiuiui, rerere, ohohoh!!! até que, com calor, livro uma orelha do bloqueio de penas e o ouvido espertinho, por dever de ofício bem acostumado a identificar toda sorte de timbres e frases e tons, capta a maravilha:

- aaaaaaiii, bernardinhoooo! é pequeninho, mas machuca!

naquela manhã, descobri o incrível poder de isolamento acústico das penas de ganso.

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