quarta-feira, abril 16

selvagem e burra bandeira

tava demorando. finalzinho de março, quando circulou a notícia de que a pequena isabella tinha morrido depois de ser jogada de um prédio em são paulo, antevi o óbvio: ‘em dois tempos vai ter gente a valer levantando mais uma vez a bandeira burra e obscura da pena de morte’.

tá, era fácil, mas não deu outra: começou o tenebroso bramir. são os trogloditas travestidos de justiceiros (inclusive alguns com espaços nobres na tevê e no mais afamado periódico local) defendendo a mais bárbara das punições ainda remanescentes entre nós, as gentes do 21º século depois da suposta passagem do barbudo messiânico pela face da terra.

prefiro nem entrar no mérito do julgamento antecipado (ou precipitado?), porque os indícios (eu escrevi i-n-d-í-c-i-o-s, e não p-r-o-v-a-s) contra o pai e a madrasta são mesmo cabeludérrimos. habitualmente afoita, muita gente boa da dita imprensa já os condenou e o carneirinho que atende pelo nome de opinião pública foi atrás. no entanto, nem o pavoroso serial killer que mora em mim consegue imaginar que motivo – fútil, doente, cruel – haveria para dar cabo da menina. inegável é que há fumaça ali, muita fumaça. and it stinks. mas nem por isso nos cabe vestir a toga do juiz.

agora, morte é morte, némês? nosso fim ordinário e implacável, por mais que os movidos por qualquer crença queiram nos convencer de nobres significados místico-transcendentais. o ente cai duro e acabou – sem mais joie de vivre, mas também sem mais sofrimentos terrenos; esgota-se a vida, e isto é uma bela merda, mas e daí? investir uma autoridade do poder de decidir sobre a morte de quem quer que seja não constitui homicídio fantasiado de justiça? institucionalizar o assassinato é solução aceitável? morrer pela mão do estado pune de verdade? quando um homicida filho-da-puta frita na cadeira elétrica, tem as entranhas esturricadas por veneno, o peito aberto a tiros ou a cervical partida na forca, sua incalculável dívida está mesmo quitada?

pra esta reles blogueirazinha, não importa o quão bárbaro tenha sido um crime, é sempre fácil e brando demais pagar por ele com a vida. o sujeito vai lá, massacra um pobre coitado e ganha de presente a imolação oficial, a forma de justiça mais primitiva e grotesca que há: a do olho por olho, dente por dente – aquela que corta mão de larápio, incinera incendiário, tortura seqüestrador e viola estuprador, tudo com os cumprimentos dos selvagens cidadãos que legitimam o crime pelo crime, e ainda acham que assim combatem a violência. aí o facínora morre e pronto. não sofre um tiquinho só depois que a última onda elétrica lhe cruza os neurônios. pena capital, mais do que ignorância, primitivismo, cousa de involuídos, é absolvição da dívida. é perdão eterno. só não enxerga quem não quer - ou não consegue.

e no brasil? tanto pior, meu filho, que neste torrão a justiça é frágil e caolha. até as alfaces da ceasa estão murchas de saber que somos craques em condenar, preferencialmente, não-brancos e não-ricos, já que o que dá as cartas no patropi é a lei da bufunfa. o que não falta por aqui é magistrado corrupto, erro judiciário, ladrão de galinha encarcerado e tubarão solto.

hum, capto daí um pensamento: vossa mercê esbraveja contra a pena de morte porque nunca teve alguém do seu afeto sangrado por um animal desses. e eu respondo: é verdade, jamais fui alcançada por tamanha tragédia (tóc, tóc, tóc, bato na madeira). mas juro pelos meus dentes sem cáries que se algum dia (tóc, tóc, tóc, one more time, só pra garantir) essa mão lazarenta me tocar, estou pronta a controlar meu impulso (natural, pois que humano, demasiado humano) de carnear o desinfeliz com minha própria katana, porque de fato acredito que é impossível consertar violência com violência, que não se faz justiça com sangue. isto é cousa pra selvagens, montéquios e capuletos.

e qual é, então, a minha receita pra condenar um assassino repugnante? simples: põe-se o miserento a mofar na cadeia. é, prisão perpétua nele. e como nada sai de graça nesta vida, que o atroz trabalhe seis dias por semana - como a maioria de nós o faz - oito ou mais horas diárias lidando pesado, amóde custear sua estada vitalícia no xilindró. isto sim, e não a forca, é justiça da boa. ah, faltam presídios no brasil? pois que se plante a militarada toda a erguer masmorras seguras país afora. são todos jovens, fortes e bem alimentados, podem perfeitamente cumprir esse papel de inestimável valor penal e social.

que pena de morte, repito, não é castigo, é redenção. e quem defende essa burrice colossal, das duas uma: ou goza de poucas luzes ou é tão assassino quanto o réu.

2 comentários:

CarolBorne disse...

Muitas palmas, Ermã!
Texto fodalhão e brilhante!

Mas, num país furreco como Terra Brasilis, tem até vendedor de picolé no cenário da reconstituição, louco pra faturar um troco em cima da desgraça alheia...

Nem toda a reforma penal ou processual penal do mundo da jeito na Pátria do jeitinho...

mimi aragón disse...

er: o tio do picolé não me dá medo. o que me assusta é a massa sedenta de sangue. e, engrossando o côro, aqueles que deveriam chamar o país à razão, mas só fazem tacar álcool na fogueira. ui!