segunda-feira, abril 14

dia de fúria

era um brasileiro bem-nascido. como fosse pouco, desde seu primeiro choro a família empenhou uma bagalhoça para tatuá-lo com princípios e modos irretocáveis.

passou metade da vida repetindo 'obrigado', 'o senhor me deu dinheiro a mais', 'com licença', 'ei, gerente, achei esta comanda em branco no chão', 'não tem de quê', 'vim devolver sua valise', 'bom dia', 'obrigado, não preciso comprar uma monografia pronta', 'por favor', 'tenha a bondade de passar na minha frente', 'não insista, não vou aceitar seu dinheiro' e demais obviedades da vida civilizada.

mas toda vez que se comportava qual gente, seus semelhantes lhe dirigiam olhares assombrados. assim como se o sujeito não fosse homem, mas um etê gosmento, aedes aegypt XXL, bacillus anthracis vertebrado, bichum estranhum emergindo do pântano de descortesia e gatunagem banalizadas na terra brasilis.

chegou um dia em que a índole desabou. havia sol e algum frio. depois de devolver o celular encontrado no banco de um táxi, correu atrás de uma velhinha numa rua do centro da cidade e zapt!: navalhou a bolsa da desprecavida. riu alto. e ninguém gritou nem 'pega ladrão!'. foi a glória.

6 comentários:

Leandro disse...

É bem por aí a coisa, é bem por aí...
Vivemos em um país de "espertos", que se afundam cada vez mais na merda, achando-se muito espertos.

mimi aragón disse...

é, a ficção imita o infortúnio, nobre leandro.

Maroto disse...

a senhora por favor receba meus elogios por mais este belo post

mimi aragón disse...

e a senhora, meus agradecimentos pelos gentis elogios.

CarolBorne disse...

Hihihi!
DuCa!

mimi aragón disse...

sucumbirão, um dia, 'as minhas meninas'?